quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O apagão de talentos


Por Francine Brustolin - Revista Liderança
Apesar de 70% dos CEOs não acreditarem que encontrarão talentos nos próximos três anos, essa escassez pode ser combatida pelas próprias empresas
Buscar uma agulha em um palheiro: é assim que alguns profissionais estão enxergando a tarefa de localizar e atrair talentos na atual conjuntura do mercado de trabalho. Mas a dificuldade não é exclusiva do Brasil. Uma pesquisa global realizada pela PwC apontou que a crise de talentos afeta o crescimento dos negócios em todo o mundo.
O desafio é crescente em diversos países, especialmente nos de mercados emergentes como o Brasil. Isso acontece porque os investimentos da capacitação de profissionais nas últimas décadas foram direcionados para as economias desenvolvidas, cujo crescimento desacelerou. Este é o momento de alinhar o desenvolvimento de talentos com novas prioridades – como ampliar os negócios nos mercados emergentes.
Na visão dos CEOs entrevistados, a escassez de talentos é uma grande ameaça para o crescimento e para a rentabilidade dos negócios. Apenas 30% estão “muito confiantes” de que encontrarão talentos adequados às necessidades da empresa nos próximos três anos. No entanto, grande parte dos responsáveis diz que a falta de profissionais capacitados já provocou o adiamento ou cancelamento de um projeto estratégico (24%), a perda de uma oportunidade de mercado (29%) ou os impediu inovar de forma eficaz (31%). 
“A questão real é: por que a lacuna de talentos permanece como um desafio, apesar de ser uma prioridade estratégica evidente há anos?”, questiona o líder de consultoria em gestão de pessoas João Lins, sócio da PwC Brasil. A pressão por talentos é sentida especialmente na América do Sul, Ásia e África. De acordo com ele, na medida em que estes mercados se expandem e se tornam cruciais para o crescimento dos negócios, aumenta a chance de um colapso.
“Os países que formam o BRIC, por exemplo, estão crescendo mais rápido do que os mercados maduros. As empresas não veem mais essas economias como fontes de mão de obra barata, mas como mercados consumidores importantes. As empresas estão avaliando estratégias para crescer e entrar nesses mercados, trazendo inúmeros desafios à área de recursos humanos”, pontua Lins. “Quais serão as formas de retenção, como formar um novo pool de talentos, qual será o mix entre expatriados e talentos locais necessários; esses são alguns dos desafios no momento”, completa.

Visões do apagão

As consequências de um apagão de talentos para as empresas são múltiplas e complexas, na visão do especialista em recursos humanos Idalberto Chiavenato: trabalho imperfeito e mais demorado, baixa qualidade e produtividade, dificuldade de aprendizagem, necessidade de mais tempo de integração na empresa, necessidade de treinamento mais intensivo, etc. Isso significa maiores custos internos para as empresas, perda de clientela devido às reclamações sobre produtos e serviços e toda uma gama de problemas, como mau uso de equipamentos, perdas e refugos, necessidade de supervisão mais direta e um descompasso enorme entre o salário pago e a contribuição efetiva do funcionário.
Uma das causas que contribuem para esse cenário, na opinião do especialista, é a falta de um sistema abrangente que permita saber com precisão onde buscar no mercado um candidato com as características requeridas por uma empresa, qualquer que seja a área geográfica ou o ramo de atividade. Por outro lado, os candidatos também encontram grande dificuldade em localizar oportunidades de trabalho nas empresas. Ambos, mercado de trabalho e mercado de candidatos, não encontraram ainda uma forma adequada de sintonia. Sintonia fina, nem pensar.
Essa falta de mão de obra qualificada é a justificativa comum de muitos setores da economia para o não cumprimento de prazos e planos acordados. Para Chiavenato, muitas empresas estão adiando seus planos ou reduzindo para valer suas exigências para poderem compor sua força de trabalho com razoável confiabilidade: “Talento está se tornando, cada vez mais, um bem raro, escasso e difícil de ser encontrado”. 
Ele expõe que quando as empresas diminuem suas exigências para a contratação como a maneira “menos pior” de manter uma força de trabalho razoável em ação, simultaneamente diminuem seu capital humano, perdem produtividade e qualidade e, o que é pior, reduzem fortemente sua competitividade no mercado. “De lambuja, aumentam seus custos operacionais também. Isso prejudica enormemente a imagem da empresa no mercado. A inovação vai para o brejo”, alerta.
Por outro lado, Carlos Ferreira, diretor executivo da 4hunter, empresa atuante nas áreas de recrutamento, seleção e gestão de carreira, destaca que é preciso entender o momento de maturidade do mercado que vivemos para discutir a existência do apagão. “As áreas mais sensíveis são os nichos de mercado recentemente aquecidos, que exigem candidatos com especializações que nunca foram requeridas e, por isso, nunca cultivadas”. Mas em sua área de atuação – consultoria em recrutamento para posições jurídicas, financeiras, fiscais e recursos humanos – ele acredita que não haja uma escassez plena, apenas algumas sensibilidades, mais evidentes em posições bastante específicas.
O que Ferreira ressalta é que as empresas e os recrutadores devem se questionar a respeito de quatro pontos para entender qual é a razão para aquele perfil específico estar escasso, a fim de evitar até mesmo potencializar a escassez. “Ter essa percepção clara pode minimizar as possibilidades de termos o apagão de talentos”, diz.
Os pontos que devem ser questionados são:
  1. Por cultura, estamos com sensibilidade na graduação necessária para essa função?
  2. Minha empresa está desenvolvendo um trabalho perene para transformar essas pessoas em talentos e líderes com todas as expertises de que precisamos?
  3. Nesta área o mercado está realmente em um ritmo mais acelerado, o que até então não vivíamos?
  4. Qual é a flexibilização da minha busca? Estamos decididos de que ou encontraremos uma pessoa com o perfil específico ou não contrataremos nenhuma.

Uma luz para o apagão

O movimento para evitar que o cenário se agrave já foi iniciado. O estudo aponta que 78% dos CEOs estão mudando as estratégias de gestão de talentos – dois terços dos entrevistados planejam gastar mais tempo no desenvolvimento de lideranças. “A área de recursos humanos também deve ser mais estratégica e exercer o papel de consultor da empresa, gerando ideias que possam ajudar as lideranças a tomar as melhores decisões e auxiliando no desenvolvimento de estratégias certas”, destaca João Lins, da PwC.
Para suprir a escassez, as empresas estão focadas em desenvolver seu banco de talentos por meio do investimento em parcerias com governos e universidades, para o desenvolvimento da força de trabalho – 78% dos CEOs dizem fazer investimentos diretos no desenvolvimento de talentos.
Essa também é a sugestão de Chiavenato, que acredita que a falta de qualificação é um problema que começa na precária educação primária, aumenta na secundária e desemboca na área universitária de nosso país: “A estratégia de nossas empresas para tentar minimizar o problema é investir pesadamente em treinamento básico e elementar para compensar o infortúnio de nosso sistema educacional de baixíssima qualidade. É um custo brutal que não deveria ser pago pelas empresas”.
Outra estratégia sugerida são os programas de trainees para preparar com antecipação os jovens talentos para a atividade empresarial. “É outro custo brutal que compensa. Eu chamaria de investimento para o futuro, e não um simples custo. Trata-se de antecipar o futuro e preparar previamente os futuros talentos da organização”, indica.
Carlos Ferreira acrescenta que além de investir em parcerias com as universidades, trabalhando com a captação e formação dos profissionais, as empresas precisam dispor de um setor de recursos humanos estruturado e atuante na área de retenção de talentos para garantir profissionais satisfeitos. “A escassez existe em segmentos pontuais, mas ela pode ser muito maior ou muito menor a partir do que fizermos hoje. Uma empresa pode enfrentar escassez de talentos se perder os bons profissionais, por isso os trabalhos de retenção são tão importantes”, explica.
Ele destaca o trabalho realizado por um de seus clientes, o escritório jurídico Barretto Ferreira, Kujawski e Brancher – Sociedade de Advogados (BKBG). Os quatro andares do escritório foram reduzidos a um e nenhum departamento é dono de nenhuma sala. Cada departamento definiu que dia gostaria de se reunir no escritório (e se gostaria de ir até o escritório) e então todo o trabalho passou a ser realizado a distância, com reuniões feitas pela internet e medição de produtividade por projeto entregue.
Um dos sócios do escritório, Ricardo Barreto Ferreira, não vê problemas atuais nem futuros na atração e preservação de talentos. O que ele percebe de novo é que os talentosos profissionais levarão em conta outros aspectos além de compensação financeira e “status”.
“Vejo que esses aspectos são: flexibilização de horários, trabalho remoto, home office, uso de tecnologia que garanta a mobilidade, ambiente de trabalho e espaço corporativo moderno, com despersonalização de salas em todos os níveis internos, no qual os níveis hierárquicos internos ficam mais homogêneos. Tudo sem o prejuízo da preservação de compensação financeira em nível de mercado. O modelo BKBG Mobile caminhou nesse sentido, é pioneiro no Brasil e no mundo e vencedor. Aqueles que trabalham em BKBG não se acostumarão com modelos ultrapassados, fixos e rígidos”, avalia.
Pontos fundamentais para o gerenciamento de talentos:
  • Alinhar a estratégia de recrutamento e retenção ao plano de negócios da empresa.
  • Olhar na direção que o negócio caminha, e não onde esteve.
  • Garantir que a estratégia de desenvolvimento mantenha e alavanque a capacidade de os talentos gerarem valor.
  • Monitorar a evolução com informações e indicadores consistentes.
Fonte: 15th Annual Global CEO Survey – PwC
Setores em que a contratação de talentos é mais crítica, na visão dos CEOs:
  • Farmacêutico e ciências da vida – 51%.
  • Seguros – 49%.
  • Tecnologia – 48%.
  • Healthcare –  47%.
  • Automotivo – 46%.
Fonte: 15th Annual Global CEO Survey – PwC

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